Adolescentes que vivem em bairros com altos índices de violência e infraestrutura precária tendem a acreditar que o mundo é mais injusto para si mesmos do que para os outros. A constatação é de uma pesquisa realizada com 659 jovens da cidade de São Paulo, conduzida ao longo de três anos pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.
O estudo foi publicado no Journal of Environmental Psychology e analisou a chamada crença no mundo justo (BJW – belief in a just world), conceito que se refere à percepção de que o mundo é, de forma geral, um lugar onde as pessoas “colhem o que plantam”. Essa crença é considerada essencial para o desenvolvimento de expectativas, normas sociais e senso de cidadania.
“Nossa hipótese era que o ambiente físico exerce um papel fundamental na formação das crenças de justiça entre adolescentes, independentemente das relações familiares ou escolares”, explica o psicólogo André Vilela Komatsu, primeiro autor do estudo e bolsista da FAPESP.
A pesquisa foi realizada em parceria com a neurocientista Simone Kühn, da University of Hamburg, na Alemanha, e diretora do Center for Environmental Neuroscience do Max Planck Institute for Human Development.
A influência do território na percepção de justiça
Os dados revelam que, em bairros marcados por abandono, insegurança e degradação urbana, os adolescentes desenvolvem uma trajetória de afastamento gradual da crença de que o mundo é justo para eles. Essa percepção tem efeitos diretos sobre a autoestima, motivação, bem-estar psicológico e a confiança nas instituições.
Já em bairros mais favorecidos, os adolescentes mantêm níveis mais altos de BJW pessoal, mesmo reconhecendo injustiças no mundo em geral. “Eles se sentem menos vulneráveis e preservam a ideia de que suas próprias vidas seguirão um caminho justo”, observa Komatsu.
Escolas e redes sociais como influenciadores
O ambiente escolar também se mostrou decisivo na formação dessas crenças. “As escolas podem funcionar como espaços de construção de cidadania e percepção de justiça. Mas, se reproduzirem desigualdades ou agirem com arbitrariedade, reforçam a ideia de que as instituições são injustas”, explica o pesquisador.
O estudo também destaca o papel das mídias sociais na construção de valores, alertando para o efeito distorcido dos algoritmos, que amplificam conteúdos sensacionalistas e simplistas, muitas vezes descolados da realidade estrutural. “Isso dificulta que os jovens tenham acesso a informações equilibradas sobre as causas da desigualdade”, diz Komatsu.
Intervenções urbanas e políticas públicas
Os autores defendem que intervenções urbanas participativas – como a requalificação de espaços públicos e investimentos em infraestrutura – podem ajudar a restaurar o senso de justiça entre adolescentes de áreas vulneráveis.
“Melhorias em iluminação, saneamento, transporte e lazer comunicam simbolicamente que aquelas vidas são valorizadas. É fundamental que os jovens participem desses processos, para se sentirem parte da transformação e reconhecidos como sujeitos de direitos”, afirma Komatsu.
Diferenças raciais, sociais e de gênero
Embora o estudo em questão não tenha focado em raça ou gênero, análises anteriores com a mesma amostra mostraram que adolescentes brancos, homens, de escolas privadas e com maior renda familiar tendem a acreditar mais que vivem em um mundo justo – evidenciando como as desigualdades estruturais moldam essas percepções.
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*Com informações: Agência SP