O muro erguido pela Prefeitura de São Paulo na região da Cracolândia, no bairro Santa Ifigênia, vem gerando intensas críticas e denúncias por parte de organizações e movimentos sociais. Com aproximadamente 40 metros de extensão e 2,5 metros de altura, a estrutura cerca uma área triangular delimitada pelas ruas General Couto Magalhães, dos Protestantes e dos Gusmões. A medida, segundo a prefeitura, foi implementada para “proteger as pessoas em situação de vulnerabilidade e os pedestres”. No entanto, entidades como o coletivo Craco Resiste denunciam que o espaço se transformou em um “campo de tortura” e em uma grave violação de direitos humanos.
Denúncias de abusos e confinamento
De acordo com o Craco Resiste, o muro limita o direito constitucional de ir e vir, obrigando as pessoas a permanecerem dentro da área cercada. O coletivo relata que, durante operações da Guarda Civil Metropolitana (GCM) ou da Polícia Civil, os frequentadores do local são coagidos a ficar sentados no chão, expostos ao sol ou à chuva, sem nenhuma proteção ou assistência.
“Caso as pessoas não fiquem no espaço delimitado pelo muro e pelas grades, guardas usam spray de pimenta sem aviso prévio. Viaturas circulam pela região em busca de pessoas ou grupos que estejam em outros lugares para coagi-los a ir para o espaço cercado. Caso alguém se indigne com esse tratamento, é preso e acusado de forma irregular de desacato”, diz a nota divulgada pelo Craco Resiste.
Além disso, o coletivo afirma que as câmeras com inteligência artificial e o policiamento ostensivo priorizam ações repressivas, em vez de atender às necessidades básicas da população local, como acesso à moradia, saúde e alimentação.
“direito de defesa negado”, aponta advogada
A advogada Lydia Gama, da organização Teto, Trampo e Tratamento (TTT), criticou duramente a construção do muro e suas consequências. Segundo ela, a estrutura não apenas restringe o direito de ir e vir, mas também impede que as pessoas tenham acesso à defesa ou proteção em casos de violência estatal.
“Quando havia as limpezas ou as operações [na época dos tapumes], ainda as pessoas que estavam ali conseguiam sair e se proteger da ação truculenta do Estado. Esse muro tem a finalidade de impedir que as pessoas se movimentem, já impede o direito constitucional de ir e vir, mas impede o direito de se defender. E impede também que as pessoas no entorno consigam ver o que está acontecendo ali e todas as violações de direitos humanos ali”, afirmou Lydia.
Ela também relatou dificuldades enfrentadas por organizações da sociedade civil e movimentos que oferecem assistência na área cercada. Segundo Lydia, há restrições para levar itens básicos, como materiais de apoio, e eventos culturais são impedidos. Em uma ação de Natal organizada por mais de 60 entidades no final de 2024, a prefeitura barrou a instalação de banheiros químicos, além de atividades culturais e sociais planejadas para o público local.
Posição da prefeitura
Em nota, a Prefeitura de São Paulo negou as acusações de confinamento e violação de direitos humanos. Segundo o comunicado, o muro substituiu antigos tapumes de metal que frequentemente eram danificados, e a troca teve como objetivo “proteger as pessoas em situação de vulnerabilidade, além de moradores e pedestres”.
A prefeitura também destacou que foram realizadas melhorias no piso da área cercada, afirmando que as intervenções visam garantir assistência e acolhimento às pessoas em vulnerabilidade presentes na região conhecida como Cena Aberta de Uso.
“Portanto, não são verdadeiras as afirmações de que a administração municipal atuou na região com outros interesses que não sejam a assistência e acolhimento às pessoas em vulnerabilidade na Cena Aberta de Uso”, conclui a nota.
Críticas às políticas públicas na cracolândia
Movimentos como o Craco Resiste reforçam que a solução para a Cracolândia não pode ser baseada em repressão ou confinamento, mas sim em políticas públicas integradas que garantam direitos básicos à população em situação de rua. O coletivo aponta que, em vez de investir em policiamento e tecnologia, a prefeitura deveria priorizar habitação, saúde, alimentação e projetos de reintegração social.
“É possível, como foi feito em outras cidades, criar condições melhores de vida para toda a população, atendendo prioritariamente necessidades básicas. O policiamento e câmeras com inteligência artificial não substituem direitos básicos, apenas abastecem de dinheiro público empresas que conseguem abocanhar os generosos contratos envolvidos”, afirmou o Craco Resiste.
Apelo por soluções humanitárias
As denúncias reforçam a necessidade de debates mais amplos sobre a abordagem adotada pelo poder público em relação à Cracolândia. Especialistas e movimentos sociais alertam que estratégias focadas apenas em controle e repressão podem agravar ainda mais a vulnerabilidade da população local, enquanto soluções humanitárias e integradas são relegadas a segundo plano.
A polêmica em torno do muro evidencia um conflito entre a narrativa oficial de proteção e as denúncias de organizações que apontam para violações de direitos humanos e o agravamento da exclusão social.