A cúpula do Mercosul, realizada neste sábado (20) em Foz do Iguaçu (PR), terminou marcada por uma profunda divisão política entre seus Estados-membros. Sob a liderança da Argentina, um grupo de países divulgou um comunicado conjunto exigindo o restabelecimento da democracia e o respeito aos direitos humanos na Venezuela. Contudo, o documento não contou com o apoio do Brasil e do Uruguai, evidenciando divergências sobre como lidar com o governo de Nicolás Maduro e a crescente influência militar dos Estados Unidos na região.
O texto, assinado à margem do encontro oficial, expressa “profunda preocupação” com a crise migratória e social venezuelana. Entretanto, a recusa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em referendar a carta reflete a estratégia do Palácio do Planalto de evitar o alinhamento com posturas que possam ser interpretadas como incentivo a soluções não diplomáticas.
O impasse brasileiro e o temor de escalada militar
Para o governo brasileiro, a assinatura do comunicado poderia ser lida por Washington como um endosso a uma eventual ação militar norte-americana. Atualmente, o governo de Donald Trump mantém uma postura de não reconhecimento de Maduro e intensificou a presença naval no Caribe, justificando operações de combate ao narcotráfico que incluem o bombardeio e a apreensão de navios petroleiros venezuelanos.
No discurso de encerramento, Lula foi enfático ao alertar para os riscos de uma intervenção estrangeira no continente:
“Passadas mais de quatro décadas desde a Guerra das Malvinas, o continente sul-americano volta a ser assombrado pela presença militar de uma potência extrarregional. Os limites do direito internacional estão sendo testados”, declarou o presidente brasileiro.
A avaliação diplomática do Brasil é de que qualquer documento oficial do bloco deveria mencionar não apenas a crise interna venezuelana, mas também a “ameaça de solução militar” externa, que, segundo Lula, geraria uma “catástrofe humanitária” sem precedentes.
Milei e o alinhamento com Washington
Em contraste direto com a posição brasileira, o presidente argentino Javier Milei utilizou seu espaço na cúpula para endurecer o discurso contra Caracas. Milei classificou Nicolás Maduro como “narcoterrorista” e celebrou a postura agressiva da Casa Branca.
“A Argentina acolhe com satisfação a pressão dos Estados Unidos e de Donald Trump para libertar o povo venezuelano. O tempo da timidez nesta questão já passou”, afirmou Milei.
Além da Argentina, assinaram o comunicado os presidentes do Paraguai, Santiago Peña, e do Panamá, José Raúl Mulino, além de representantes de alto escalão da Bolívia, Equador e Peru. O grupo ratificou a validade do Protocolo de Ushuaia, que fundamentou a suspensão da Venezuela do bloco em 2017 por ruptura da ordem democrática.
A economia do petróleo e o cerco financeiro
A Venezuela possui uma das maiores reservas de petróleo do mundo, recurso que é o pilar de sua economia. As ações militares e sanções dos EUA visam, na visão de analistas e do próprio governo Maduro, provocar uma asfixia financeira para forçar uma mudança de regime. Para o Brasil, o isolamento total e o apoio a cercos militares podem agravar a crise humanitária que já impulsiona milhões de venezuelanos a buscar refúgio em países vizinhos.
Histórico de suspensão e cautela atual
Embora o Mercosul tenha aceitado a Venezuela como membro pleno em 2012, o país está suspenso desde 2017. O presidente Lula, apesar de não ter reconhecido oficialmente a vitória de Maduro nas controversas eleições de julho de 2024, mantém uma postura de “extrema cautela”. O mandatário brasileiro revelou ter mantido diálogos telefônicos tanto com Maduro quanto com Trump na tentativa de mediar uma solução diplomática que preserve a estabilidade regional.
A cúpula de Foz do Iguaçu encerra-se, assim, com o Mercosul reafirmando sua importância comercial, mas paralisado politicamente diante do maior desafio geopolítico da América do Sul na atualidade.
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Por: Odair Junior/ABC Agora | *Com informações: Agência Brasil
